| FRENTE À MORTE DE SVETLANA, A FILHA DE STALIN QUE SE CONVERTEU AO CATOLICISMO |
Juanjo Romero
Na segunda-feira, dia 28 [de novembro de 2011], a imprensa internacional fez eco da morte de Svetlana Iósifovna Stálina, a única filha de Stalin. Fugiu do «paraíso socialista» ajudada pela CIA em 1967. Foi um golpe para a propaganda socialista, seus livros de memórias «Vinte cartas a um amigo» e «Só um ano» descreviam a vida na União Soviética.
Havia uma semana que tinha falecido, aos 22 de novembro, em um asilo em Wisconsin. Só.
Em quase todos os meios de comunicação, entretanto, passou-se como de raspão sobre o assunto de sua conversão: primeiro o batismo ortodoxo e, em seguida, a recepção na Igreja Católica em 1982. Até 1993, não conta sua conversão, um texto difundido com surdina. Creio que a melhor homenagem é tornar a publicar o que escreveu então, é grande, mas vale a pena. O labor de sua avó, de seus amigos católicos, a mão da Virgem, a solicitude amorosa e pastoral de amigos sacerdotes, a leitura, a formação, os sacramentos... Melhor o conta Svetlana, os deixo com ela.
Os primeiros 36 anos que vivi no estado ateu da Rússia não foram de todo uma vida sem Deus. Contudo, havíamos sido educados por pais ateus, por uma escola secularizada, por toda nossa sociedade profundamente materialista. De Deus não se falava.
Minha avó paterna, Ekaterina Djugashvili, era uma campesina quase iletrada, precocemente viúva que nutria, porém, confiança em Deus e na Igreja. Muito piedosa e trabalhadora, sonhava em fazer de seu filho sobrevivente – meu pai – um sacerdote.
O sonho de minha avó não se realizou jamais. Aos 21 anos, meu pai abandonou definitivamente o seminário.
Minha avó materna, Olga Allilouieva, falava-nos gostosamente de Deus: dela ouvimos pela primeira vez palavras como alma e Deus. Para ela, Deus e a alma eram os fundamentos mesmos da vida.
Agradeço a Deus ter permitido a minhas queridas avós que nos transmitissem as sementes da fé; se bem que fossem exteriormente obsequiosas com a nova ordem de coisas, conservaram profundamente no coração sua fé em Deus e em Cristo.
Quando meu irmão morreu, meu filho de 18 anos estava muito enfermo. Não queria ir ao hospital, apesar da insistência do médico. Pela primeira vez em minha vida, aos 36 anos, pedi a Deus que o curasse. Não conhecia nenhuma oração, nem sequer o Padre-Nosso. Deus, porém, que é bom, não podia deixar de escutar-me.
Escutou-me, eu sabia. Depois da cura, um sentimento intenso da presença de Deus invadiu-me.
Com surpresa de minha parte, pedi a alguns amigos batizados que me acompanhassem à Igreja. Deus não só me ajudou a encontrá-lo mas desejava dar-me maiores graças. Fez-me conhecer o sacerdote mais maravilhoso que podia encontrar, o pe. Nicolás Go-loubtzov (1890-1963). Ele batizava em segredo os adultos que haviam vivido sem fé. Foi também o pai espiritual do pe. Alexander Men, que se converteu em célebre pregador, assassinado em 1990 após muitas ameaças de morte, pelas numerosas conversões que suscitava entre a juventude ao seu redor.
Eu tinha necessidade de ser instruída sobre os dogmas fundamentais do Cristianismo. Batizada em 20 de maio de 1962, tive a alegria de conhecer a Cristo, ainda que ignorasse quase toda a doutrina cristã. Infelizmente, o pe. Goloubtzov morreu em março de 1963.
Encontrei, pela primeira vez na minha vida, católicos romanos, na Suíça, cinco anos depois de meu batismo na Igreja ortodoxa russa.
Os quinze anos que passei na América foram, para mim, causa de tormentos e de desorientação. Depois do nascimento de minha filha, fruto de meu casamento nos Estados Unidos, parecia chegada para mim a possibilidade de uma vida normal. Porém, de pronto, sobreveio de novo a perturbação e a amargura; tudo terminou com a separação conjugal.
Durante esses anos, minha vida religiosa era confusa, como todo o resto. Encontrava-me frente a um cristianismo americano múltiplo. Cada denominação me convidava. Todos me testemunhavam uma grande simpatia. Eu tinha necessidade de descobrir o que era certo na multiplicidade de confissões e perdia a noção do que eu mesma era pessoalmente e em que cria. Busquei, também, na Ortodoxia a solução de minha busca pessoal. As respostas a minhas interrogações pareciam-me demasiado abstratas. Apesar da amizade que havia travado com intelectuais da Ortodoxia, como a família Florovsky, minha sede espiritual permanecia insatisfeita.
Um dia recebi uma carta de um sacerdote católico italiano da Pensilvânia, pe. Garbolino, que me convidou a fazer uma peregrinação à Virgem de Fátima, em Portugal, por ocasião do 70º aniversário das aparições. No momento não foi possível, porém nossa correspondência de amizade durou mais de 20 anos e ensinou-me muitas coisas.
Mediante este intercâmbio epistolar, mais de uma vez, planteou-se a questão de minha adesão à fé católica. Porém, a publicidade e o fato de ser devorada pelos meios de comunicação social havia-me dado uma péssima impressão ao chegar aos Estados Unidos. Explicar, à luz do dia, meus sentimentos mais pessoais, minha fé, minhas relações com Deus, estava sequer disposta a pensá-lo. Não podia mais falar em nome do povo russo.
Em 1969, o pe. Garbolino, que se encontrava em Nova Jersey, veio fazer-me uma visita em Princeton. Eu continuei escrevendo-lhe em Pittsburgh. Naquele momento, eu era divorciada e infeliz, mas ele, como bom sacerdote, sempre encontrava as palavras apropriadas e prometia sempre rezar por mim.
Em 1976, encontrei, na Califórnia, um casal de católicos, Rose e Michael Ginciracusa. Vivi dois anos com eles. Sua piedade discreta e sua solicitude por mim e pela minha filha me comoveram profundamente.
Em 1982, partimos para a Inglaterra, para que minha filha recebesse uma boa educação europeia. Meus contatos com os católicos continuavam sempre naturais, calmos e alentadores. A leitura de livros notáveis como o de Raissa Maritain, contribuíram para aproximar-me cada vez mais da Igreja Católica. E assim, em um frio dia de dezembro, na festa de Santa Luzia, em pleno Advento, um tempo litúrgico que sempre amei, a decisão, esperada por longo tempo, de entrar na Igreja Católica, brotou-me naturalíssima, enquanto vivia em Cambridge, Inglaterra. Um amigo católico polaco me conduziu ao pe. Cogglan do Seminário de Allem Halla em Londres. Havia passado 15 anos desde que tomei esta decisão e me confiei ao pe. Garbolino, que conheci e me apareceu nos dias em que os meios de comunicação social me perturbavam.
Há uma coisa que aprendi, pela primeira vez, nos conventos católicos: a ação de graças pela existência cotidiana, inclusive a mais escondida, de cada pequena ação e, mesmo, do silêncio. Em geral sou felicíssima em minha solidão: na tranquilidade de meu apartamento sinto vivamente a presença de Cristo.
Já se passaram 13 anos desde 1982, plenos de felicidade. Contudo, do mesmo modo que jamais fui instruída convenientemente na Igreja Ortodoxa russa ao ser admitida 30 anos atrás, assim tampouco recebi algum ensinamento a mais na Igreja Católica. Tive que aprender tudo por conta própria, lendo livros que me passaram amigos católicos ou frequentando assiduamente as livrarias.
A diferença entre a solidão na Igreja ortodoxa oriental e aquela na Igreja católica apare-ceu-me sob esta forma: na ortodoxia oriental, uma confissão raramente é escutada, geralmente uma vez ao ano por ocasião da Páscoa e sem a discrição que permite o confessionário. Só agora entendi a graça maravilhosa que nos produzem os sacramentos como o da reconciliação e da comunhão oferecidos não importa que dia do ano e, até, cotidianamente.
Antes, sentia-me pouco disposta a perdoar e a arrepender-me, e não fui jamais capaz de amar meus inimigos. Porém sinto-me muito diferente de antes, desde que assisto a Missa todos os dias. A Eucaristia tornou-se, para mim, viva e necessária. O sacramento da reconciliação com Deus a Quem ofendemos, abandonamos e traímos cada dia, o sentimento de culpa e de tristeza que então nos invade: tudo isso faz com que seja necessário recebê-lo com frequência.
Por muitos anos cri que a decisão crucial que havia tomado de permanecer no estrangeiro em 1967 foi uma importante etapa em minha vida. Eu iniciava uma vida nova, libertada e progredindo em minha carreira de escritora itinerante. O Padre celestial corrigiu-me docemente. Fui novamente submergida em uma maternidade tardia que devia fazer-me presente minha posição na vida: uma humilde posição de mulher e de mãe. Assim, em verdade, fui levada nos braços da Virgem Maria a Quem não tinha o costume de invocar, tendo essa devoção como coisa de campesinos iletrados como minha avó georgiana que não tinha outra pessoa a quem dirigir-se. Desenganei-me quando me encontrei só e sem sustento. Quem mais podia ser meu advogado se não a Mãe de Jesus? Imprevistamente Ela Se me fez próxima, Ela a Quem todas as gerações chamam Bem-aventurada entre as mulheres.
Como comentário ao texto: Svetlana Iósifovna Stálina, obrigado por teu testemunho. Descansa em paz.
(grifos e destaques nossos)
Fonte:
http://www.avidasacerdotal.com/2012/01/frente-morte-de-svetlana-filha-de.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+avidasacerdotal%2Ftaau+%28A+VIDA+SACERDOTAL%29 (acesso em 03/03/2012)
Nenhum comentário:
Postar um comentário